top of page
Foto do escritorGeorden

"A Rua – Espaço, Tempo, Sociabilidade"


Título: A Rua – Espaço, Tempo, Sociabilidade

Organizadores: Graça Índias Cordeiro e Frédéric Vidal

Edição: 2008

Editora: Livros Horizonte

ISBN: 9789722416085

Paginação: 172 páginas

Tinha este livro há anos na prateleira…

Oscilando entre a sociologia, o urbanismo, a história e a antropologia, trata-se de um conjunto de textos (a maioria, resumos de teses) que procuram perceber como é que a rua (conceito, palco de eventos, conjugação de vontades, objecto estruturador do urbanismo…) acaba por influenciar a vida dos citadinos.

Isto inclui a forma como a vivemos, convivemos e como sentimos e idealizamos o que vemos através dela, como criamos laços com os outros e com os espaços à nossa volta entre outras implicações.

Alguns textos são bem pertinentes, problematizando concepções e questionando os valores que estão por trás delas e dos actores-autores políticos. 


No primeiro, “O «Acampamento», a Cidade e o Começo da Política“, Michel Agier dá-nos o exemplo dos acampamentos de refugiados, traçados ortogonalmente (é uma regra?) e colocados, como pára-quedas, no meio de nada (como as lixeiras, que não queremos nem ver…):

Actualmente, coloca-se questão de pensar o lugar como espaço considerado como “liminar, entre-dois, provisórios, transitórios, incertos, intermediários, associados a circulações” necessárias ou forçadas. “Estes espaços formam-se, então, como etapas nessas circulações, ou como refúgios (…).

Que espaços são esses? São de vários tipos: de acampamento de trabalhadores itinerantes, precários; centros de trânsito para agrupamentos de longa duração de estrangeiros com pedidos de asilo; hotéis que são prisões ao mesmo tempo e campos de detenção para imigrantes que esperam regularização ou expulsão perto dos portos ou dos aeroportos; prédios abandonados; antigos espaços industriais abandonados; ruínas vazias que são invadidas; terrenos de acampamento que são ocupados por pessoas que se instalam na periferia das cidades e cujos espaços vazios de acampamento podem ser lugares de moradia duradoura; campos de refugiados; aldeias de refugiados ou sítios em geral das organizações humanitárias, ou do ACNUR, por exemplo, onde as pessoas vivem sob a assistência e controlo humanitário e das organizações internacionais. (…)

Eu tenho pesquisado durante 20 anos em lugares que parece que não são cidades, são lugares de barracas, lugares de acampamentos, lugares onde há um mínimo de materialidade; às vezes não têm materialidade, e são as próprias pessoas que fazem essa materialidade, e ao mesmo tempo elas fazem as relações que vão com a materialidade. E então a gente encontra-se em zonas onde, de forma muito concreta, material, e de forma muito social, as pessoas fazem a cidade. São citadinos sem a cidade.” (…)

Onde as pessoas são ajudadas mas também controladas, emergem líderes ou porta-vozes cujas capacidades e estatuto (cultural e educativo), fazem com que as Organizações não os reconheçam como representativos dos pobres refugiados. E eles emergem para reivindicar melhores condições materiais na cidade das tendas… Esta emergência de líderes é já, em si, o início de processo de criação de cidade e identidade, porque configura a convivência entre estranhos que compartem situações.


No segundo texto, “Vestígios de uma Modernidade Apagada: A Paris Popular da Primeira Metade do Século XIX“, de Maurizio Gribaudi, o autor desmonta a ideia que perdurou e sobreviveu pelo tempo da Paris que então emergia: a cidade das luzes e dos boulevards.

Acontece, diz o autor, que os espaços esconsos, bairros sujos, mal-frequentados, com população pobre e doente, eram espaços de legibilidade difícil para a nova concepção de cidade (pós-haussmaniana, etc.) e cujos planeadores, políticos, arquitectos e estrategas não se preocupavam realmente em tentar compreender.

Gribaudi fez análise de uma dessas ruas e zonas e demonstra claramente que as funções e profissões que nele se encontram são, além de diversas e numerosas (pequenos artífices e fabricantes de tudo. Mas realmente de tudo, desde relojoeiros, a chapeiros, alfaiates, fabricantes de espelhos, torneiras, envernizadores, e até um médico, um dentista, um farmacêutico ervanário…), um substrato representativo das várias camadas sociais e que, criando uma verdadeira interdependência e organização de necessidades, são a “fábrica das traseiras”, a “cloaca a céu aberto” que os habitantes das classes aristocratas e liberais dos boulevards precisam para manter os seus fatos e hábitos imaculados…

Já em “Ruas da Cidade e Sociabilidade Pública: Um Olhar a Partir de Lisboa”, de Tim Sieber, temos um autêntico regalo.

Como antropólogo urbano estado-unidense que veio viver para Lisboa custava-lhe perceber a importância que a rua adquire para os povos mediterrânicos, uma vez que a tradição anglo-saxónica “instituiu” o conceito de rua como associado à marginalidade, à classe dos negros, os loosers, os vadios, os falhados e desenraizados, por oposição à classe-média, à gente “decente” que, “cuidando da família e com trabalho, não tem tempo para estar à porta de casa e andar metida em bares ou a deambular pelas ruas“. E este conceito vigora e envenena outras formas de ver as relações dos urbanitas com a urbe.

O turista parece andar preocupado em admirar mais as fachadas, monumentos e arquitecturas do que contemplar, viver a rua e contactar com as pessoas que ali vivem. “Parece ser irrelevante quem são as pessoas e quem está na rua – desde que as ruas estejam apinhadas de gente.”


O autor viveu largos anos por trás da Casa dos Bicos, na Rua Afonso de Albuquerque, “uma rua popular, de classe operária, com oito prédios, uma residencial de cinco andares que hospedava sobretudo imigrantes das ex-colónias em busca de uma vida melhor, bem como migrantes internos. A rua “Tem apenas 75 metros de comprimento e é bastante estreita…”

“Um dia em que regressei tarde a casa – aí por volta das 4 da manhã – apanhei os padeiros, os almeidas e os lavadores de rua todos em amena cavaqueira, em frente à padaria, cada um envergando o respectivo uniforme de trabalho. Tratava-se de um ajuntamento informal, de conversa espontânea, entre pessoas que nem sequer viviam na rua, sendo na sua maioria simples transeuntes nocturnos, visitantes de passagem. Passageiros do escuro que se apoderam momentaneamente  da rua, enquanto os residentes dormem despreocupados, ou até mesmo satisfeitos por estes trabalhadores aparecerem à noite, sem causar qualquer perturbação às rotinas diárias na vizinhança”.


Depois fala como na Expo 98 não houve verdadeira representatividade da cultura portuguesa a exibir, tendo considerado, por exemplo, a música pimba e os desfiles das marchas de Lisboa como cultura menor. Por insistência, as associações de marchas impuseram a sua força e desfilaram na avenida central do espaço do Parque das Nações, mas à margem da programação. Isto é, se a rua nos está vedada, somos nós que fazemos uma nova.


Outros textos interessantes, um mais sobre arquitectura e como ela condiciona a convivência dos moradores, outro mais sobre o lugar da rua nas manifestações e encenações do Poder no século XIX português, outro ainda sobre as práticas religiosas colectivas num bairro perto da Bela Vista… fazem deste livro uma boa e interessante paragem para reflectirmos sobre a Geografia.

Boas leituras geográficas.



Nota: Envia a tua sugestão de leitura para georden@gmail.com.

Para mais livros podes clicar no tag "biblioteca" ou aceder ao nosso perfil pinterest: pinterest.pt/geordenpins/livros



Sustenta o sustentável 🍀

17 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page