No silêncio da noite escura, Deambulo por entre ruas e ruelas, Becos e travessas, De uma cidade esquecida.
Abscônditos por um conivente luar, Descubro respeitados kings e trémulos toys! Por vezes… apenas agitados bombers, Que circulam em desconfiado frenesim.
Na penumbra da madrugada, Grafitam verdadeiros walls of fame! Marginalizados e de rostos incógnitos, Demarcam o território com a sua arte.
Nas nuas paredes brancas, de outrora, Já não reside a solidão, nem o vazio. E com o raiar da manhã, o crew dispersa, Para longe do olhar da cidade que nada viu.
Gaivota, 19.Mar.07
Para mim é, sem dúvida, uma Arte marginalizada.
Quando percorro “caminhos/trilhos urbanos”, dou logo de caras com várias manifestações deste tipo de arte. Umas agradam-me bastante e chamam-me atenção, outras não me agradam nada, desvio o olhar e penso: “onde estavam com a cabeça para gastar spray à toa? Vândalos! Jagunços, pá!”
Cabe a cada graffiter (ou writer) ter consciência daquilo que faz. Se não é bom naquilo que faz, deve seguir outro rumo. Rabiscos e assinaturas devem ser feitas no bloco de notas e não em paredes que não são nossas, mas sim “de toda a gente”. Os que têm talento devem continuar a sua arte e nunca ser censurados (a qualidade surge da promoção e não da reprovação). Estes devem ser apoiados através da promoção de exposições, concursos, workshops de graffiti (ou writing). Criar/disponibilizar, na própria cidade, espaços para esses mesmos fins.
”Aponto o dedo” aos políticos que criticam, apelidam esta forma de arte de vandalismo ou brincadeira de mau gosto e nada fazem! Afinal, não são eles próprios os responsáveis pela política urbanística da sua cidade? Que medidas concretas devem ser tomadas? Pensam eles: “Nenhumas. Isto é caso de polícia. Vândalos devem ser tratados como tais e, por isso, devem ir todos para uma casa de correcção.”
Para mim (e não só), estas “pinturas urbanas” devem/têm o seu espaço na cidade. Devemos criar/utilizar espaços para promovê-las e não deixá-las esquecidas apenas nos espaços marginalizados (túneis, becos, bairros sociais em decadência) ou nos espaços nobres da cidade (vitrinas de comércio, estátuas, mobiliário urbano, para escândalo de todos).
Em certas cidades, propícias à propagação das pinturas urbanas, quando estamos a projectar um parque radical, um jardim público, um equipamento escolar, porque não pensamos em criar/construir um espaço/mural que sirva de “tela”. As pinturas vão surgindo e, de longe a longe, o espaço/mural renova-se. As próprias paredes brancas dos equipamentos públicos escolares, desportivos, associações culturais, privados interessados, etc. devem servir de “telas urbanas”. A cidade deve ser uma galeria de arte. Várias são as cidades que não têm uma única galeria de arte/exposições.
Querem melhor galeria de arte que a própria cidade?
Se “todos adoramos e preservamos” as pinturas rupestres, as pinturas em mosteiros/igrejas, as pinturas em azulejos, porque não preservar e incentivar as pinturas urbanas? Não quero comparar uma coisa com a outra, apenas considero que ambas foram/são formas de expressão do Homem. Por onde passou/habitou, o Homem sempre teve a necessidade de expressar a sua criatividade através da pintura. Outrora nas cavernas, nos vales, nas igrejas, hoje nas ruas das cidades.
Com medidas simples e pouco dispendiosas, os autarcas “teriam acesso” a este grupo/classe de pessoas. Podiam dar-lhes acções de formação e pedagogia sobre civismo e respeito pela cidade. Seriam medidas certas a adoptar para resolver um problema de difícil solução.
Não gosto de ver nenhum desenhador a pintar de noite e às escondidas de todos! Acho que todos devíamos adorar a sua arte (em fase de construção) e contemplá-la (resultado final).
Há situações que me desagradam por completo: detesto ver pintado nas paredes assinaturas/nomes. E quando isso é feito em património, mobiliário urbano, estátuas, ou noutra forma de arte, então, fico mesmo triste. Não por eles, que são crianças ou jovens menos responsáveis, mas triste por não ver os nossos autarcas a tomarem medidas urbanísticas concretas com o intuito de resolver este “flagelo” (para uns) ou resolver a marginalização deste tipo de arte (para outros).
Acho que já perceberam a minha opinião sobre este assunto.
Antes de terminar, gostaria deixar bem claro que não sou partidário/amante de todo o tipo pinturas urbanas e não sou apologista da propagação destas por toda a cidade. Senão as nossas cidades seriam como livros de Banda de Desenhada, aos quadradinhos e muito coloridas. Vejam alguns bons e maus exemplos que registei nas cidades de Faro e Quarteira:
Por último, transcrevo o glossário (1):
Bomber – Graffiter que pratica bombing. Bombing – Graffitis que se realizam rapidamente, pouco adornados e com letras pouco elaboradas. Crew – Conjunto de graffiters que usualmente pintam juntos, existindo nos seus trabalhos uma assinatura ou sigla que identifica esse colectivo. Graffiti – O mesmo que writing. Componente visual (plástica) da cultura hip-hop. King – Graffiter experiente, com muitos skills e grande número de trabalhos realizados. O contrário de toy. Toy – Graffiter inexperiente. O contrário de king. Wall of Fame – Muro de grandes dimensões pintado com uma sequência longa de pieces. Writer – O mesmo que Graffiter Writing – O mesmo que graffiti
(1) – De Jorge Bacelar
P.S: Para mim, a colocação/afixação de placas/cartazes publicitários ilegais, por tudo o que é canto, é bem pior. Considero lixo para reciclar.
Sustenta o sustentável 🍀
Rogério
Geógrafo
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