Título: A Corrosão do Carácter – As Consequências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo
Edição Original: The Corrosion of Character – The Personal Consequences of Work in the New Capitalism (1998)
Autor: Richard Sennett
Tradução: Freitas e Silva
Edição: Fevereiro de 2007 (2ª ed.)*
Editora: Terramar
ISBN: 972-710-9287-5
Paginação: 259 páginas
Na verdade, ao partir para a leitura deste livro, esperava algo ainda mais próximo de nós, ou algo em que melhor revíssemos a realidade que nos afecta. Aquilo que sentimos e que esperávamos ver igualmente reflectido neste livro foi mais ou menos esboçado no artigo anterior.
Esta -de certa forma- “decepção” (ou não correspondência) prende-se, cremos, com a objectividade necessária (necessária para a credibilidade) à análise sociológica. Aquela “frieza” do analista social, que se mantém à parte, apenas como observador. Postura que erradamente tendemos a considerar como neutra ou apolítica.
Sabemos que não é o caso de Richard Sennett. Quanto mais não seja porque, à partida, todos somos seres humanos. Mas mais que isso: como pode ficar indiferente alguém que contactou com pessoas que sentiram, na pele, efeitos económicos, familiares e psicológicos causados pelo “novo capitalismo”?
O autor apelida-o assim para o distinguir de um outro (menos selvagem e destruidor?), anterior à “economia global” proporcionada pela revolução nas comunicações e telecomunicações.
Através da análise
a) da despromoção (descida nos quadros da empresa);
b) da desvalorização (não reconhecimento pelo trabalho prestado);
c) do desenraizamento (quando os trabalhadores são obrigados a ir trabalhar para outra região);
d) da redução dos efectivos (nem vamos reproduzir mais um anglicismo desnecessário por que é apelidado);
e) do abaixamento salarial e da perda dos direitos sociais associados;
f) da “flexibilidade” (flexibilidade para quem?, importa sempre perguntar);
…
Sennett está, portanto, a descrever as consequências que derivam da perda e/ou desvalorização do factor trabalho e do trabalhador de que o capitalismo precisa para funcionar.
Não obstante nos parecer ainda pouco violento e denunciador (estaremos nós noutro patamar de sensibilidade?), trata-se de um trabalho importante para melhor compreendermos “as traseiras” da “aldeia global” em que cada vez mais somos obrigados a viver.
“Mesmo assim, tive uma revelação em Davos, ao ouvir os que mandam no reino do flexível. «Nós» também é um pronome perigoso para eles. Eles vivem confortavelmente na desordem empresarial, mas receiam a confrontação organizada. Claro que receiam o ressurgimento dos sindicatos, mas ficam pessoalmente muito pouco à vontade, mexendo-se, desviando o olhar ou refugiando-se a tirar apontamentos, se forem obrigados a discutir as pessoas que, na sua gíria, «ficam para trás». Sabem que a grande maioria dos que trabalham no regime flexível ficam para trás, e, obviamente, lamentam. Mas a flexibilidade que celebram não dá, não pode dar, qualquer orientação para a condução duma vida vulgar. Os novos senhores rejeitaram carreiras no velho sentido da palavra, de caminhos que as pessoas podem percorrer; ritmos duradouros e sustentáveis de acção são territórios estranhos.
Pareceu-me, por isso, quando andava a entrar e sair das salas de conferência, dispostas num emaranhado de limusinas e de polícias nas ruas da aldeia montanhosa, que esse regime podia, pelo menos, perder o seu actual controlo da imaginação e dos sentimentos dos que estão por baixo. Aprendi com o amargo passado radical da minha família; se ocorrer mudança, acontece na base, entre pessoas que falam por necessidade íntima, e não através de levantamentos de massas. O que os programas políticos retêm dessas necessidades íntimas, pura e simplesmente não sei. Mas sei que um regime que não dá aos seres humanos razões profundas para cuidarem uns dos outros não pode manter por muito tempo a sua legitimidade.”
(pp.224-225)
Até quando?
* – até haver reedição, o livro encontra-se esgotado na editora.
(pedimos desculpa pela publicidade na capa do livro do mês, mas falta-nos a forma habitual de a conseguirmos)
Boas leituras geográficas.
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