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"A Invenção da Paisagem", de Anne Cauquelin


Título: A Invenção da Paisagem Autora: Anne Cauquelin

Edição: Lisboa, Maio de 2008 (2ª ed.) Colecção: Arte & Comunicação, n.93 Editora: Edições 70 ISBN: 978-972-44-1404-1 Paginação: 147 páginas


Aquilo que é dado a ver, a paisagem pintada, é a concretização do elo entre os diferentes elementos e valores de uma cultura, ligação essa que oferece uma disposição, uma ordenação e, por fim, uma “ordem” para a percepção do mundo.” (p.12)

Na ilusão da transparência é a suposta identificação do representado com o objecto da representação que é capaz de nos satisfazer. Como quando vemos uma fotografia de um espaço natural amplo:

A referida natureza compunha-se à nossa frente numa série de quadros, imagens artificiais, colocadas diante da confusão das coisas, organizava a matéria diversa e mutável de acordo com uma lei implícita, e quando pensávamos deleitar-nos na verdade do mundo tal como ele se nos apresentava, apenas reproduzíamos esquemas mentais, plenos de uma evidência longínqua, e de milhares de projecções anteriores (…) A natureza dava-se apenas através de um projecto de quadro, e nós desenhávamos o visível com o auxílio de formas e de cores retiradas do nosso arsenal cultural.

(p.20)

Há uma assunção que importa analisar, que não é de todo inata, e que nos força a vermos as coisas como as vemos e, em última instância, a identificarmos a paisagem com a própria natureza. É sobre essa desconstrução que Anne Cauquelin disserta neste pequeno mas interessante livro, originalmente publicado há 20 anos.

Ficou famosa esta obra de Magritte. Isto não é um cachimbo: isto é uma representação de um cachimbo. Relativamente à paisagem, a invenção da perspectiva, no século XV, mudou desde então a nossa visão do mundo:

De facto, parece um pouco surpreendente que uma simples técnica – é certo que foi durante muito tempo aperfeiçoada – possa transformar a visão global que temos das coisas.” (p.29) De Grécia a Roma, de Roma a Bizâncio, de Bizâncio à Renascença, foram produzidas certas formas que regem a percepção, orientam as avaliações, instauram práticas. Estes perfis perspectivistas passam de um para o outro, desenhando “mundos” que, para aqueles que os habitam, têm a evidência de um dado.” (p.32)

Sendo uma construção, a paisagem é uma expressão da Retórica. E é sobre essa relação indesligável do mundo com a sua representação conceptual, e as linguagens que no-la permitem, que Cauquelin nos faz recorrentemente voltar. Seguem-se algumas sugestivas passagens, soltas, com um fio condutor que não se vê, mas que está lá:

Mesmo que saibamos que o sol não se põe, dizemos pôr-se, e não nos poderíamos afastar daquilo que a linguagem afirma com a exactidão do sentimento.” (p.32)

Pela janela pintada sobre a tela ilusionista vemos aquilo que se deve ver – a natureza das coisas mostradas na sua ligação. Então, aquilo que vemos não são as coisas, isoladas, mas a ligação entre elas, ou seja, uma paisagem.” (p.64)

A forma de dispor as coisas, o elo que as une, depende então de uma retórica. O que existe de «natural» na Natureza, a sua sensualidade imediata, só é entendido enquanto enigma pelo artifício de uma construção mental.” (p.65)

A perspectiva preenche, com efeito, a condição que exige a Retórica. (…) A perspectiva configura a realidade e faz dela uma imagem que tomaremos como real. (…) acreditamos firmemente percepcionar de acordo com a natureza aquilo que configuramos por um «hábito perceptual», implicitamente. A própria dificuldade em tomar consciência desta «evidência» implícita que é a percepção em perspectiva mostra bem a profundidade da nossa cegueira – não podemos ver o órgão que nos serve para ver, nem o filtro nem a cortina através da qual e com a qual nós vemos. E, do mesmo modo que não podemos colocar-nos fora da linguagem para falar dela, não conseguiríamos pôr-nos fora da perspectiva para percepcionar… mácula obstinada do olho, da linguagem, macula.” (p.84)

Todos, quem quer que sejamos, usamos utensílios que mal conhecemos. Nós «fazemos» paisagem. Somos retóricos sem o saber.” (p.95).

(…) entre estas figuras da artificialidade, existem aquelas que são mais fundamentais do que outras e detêm o segredo. Trata-se de duas operações, indispensáveis ao acesso a uma paisagem: – o enquadramento, em primeiro lugar, pelo qual nós subtraímos ao olhar uma parte da visão. (…) (Pensem no que fazem quando tiram uma fotografia; ao excluir cuidadosamente esse poste do primeiro plano, ao procurar o ponto de vista…). – um jogo de transporte (…) (p.99)

O jardim edénico atravessou séculos pela mão dos poetas.” (p.114)

Um local é sempre um local «dito».” (p.39)

Esta figura da reminiscência, na medida em que articula as nossas percepções na recordação de hábitos que nós não conhecemos, nem temos consciência, gera a nossa relação com os modelos culturais; aqui está exactamente um transporte, e já uma estilística.” (p.116)


Boas leituras geográficas.

Nota: Envia a tua sugestão de leitura para georden@gmail.com que, posteriormente, publicaremos, neste mesmo espaço.

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