Acende mais um cigarro, irmão inventa alguma paz interior esconde essas sombras no teu olhar tenta mexer-te com mais vigor abre o teu saco de recordações e guarda só o essencial o mundo nunca deixou de mudar mas lá no fundo é sempre igual.
D. Quixote Foi-se Embora, Jorge Palma
Em breve, no dia 29, estarão completos 5 anos que o Georden leva a tentar sustentar o sustentável.
Chegámos ao fim de mais um ciclo. Ao fim de um ciclo que se fecha.
Nos últimos artigos (mais concretamente nos últimos 3 meses) temos vindo a deter-nos na e sobre a incomunicação, “sobre a fragilidade dos laços humanos”, sobre a dificuldade de entendermos o outro e de nos entendermos. Sobre a luta constante e constantemente renovada que é chegarmos ao outro, alcançarmos paz com o outro.
Somos sempre verdes.
Quem diria que isto tinha a ver com a cidade? Sim, tem.
Porque somos cada vez mais urbanos? Porque somos cada vez mais conscientemente urbanos (com as nossas diferenças, divisões, contradições, aspirações, limitações, inquietações (isto lembra novamente uma canção do Variações…) e com as nossas tendências para a igualdade, para a tranquilidade,… para aprendermos a conviver connosco mesmos…)?
Não sabemos responder acertadamente. As respostas lançam sempre perguntas. As perguntas lançam sempre respostas. Sempre incompletas e questionadoras.
No fim deste processo, sentirmos alguma espécie de superação da violência com que o mundo está sempre a pôr-nos à prova. A sensação de alguma espécie de crescimento interior. E, sensíveis ao relativismo das coisas, sermos maiores com os dois lados de nós mesmos.
Sentir que sabemos cada vez menos. Mas sentir que nesse menos saber, podermos ser melhores para com os outros. E nisso, o princípio – ou – uma oportunidade mais de um diálogo mais franco, mais justo, mais ajustado, mais sincero com os que nos rodeiam.
Que a bom entendedor meia palavra basta é só adivinhar o que há mais, os segredos dos locais que no fundo são iguais em todos nós.
Espalhem a Notícia, Sérgio Godinho
Os que podem, vivem em “condomínios“, planeados como se fosse uma ermida: fisicamente dentro, mas social e espiritualmente fora da cidade. «Supõe-se que as comunidades fechadas sejam mundos distintos. Nos panfletos que os anunciam propõe-se um “modo de vida completo” que representaria uma alternativa à qualidade de vida oferecida pela cidade e pelo seu espaço público deteriorado.» Um traço muito importante do condomínio é o seu «isolamento e distância da cidade… Isolamento significa separação daqueles considerados socialmente inferiores» e, como insistem os construtores e os seus agentes imobiliários, «o factor-chave para o garantir é a segurança (…)
Como todos sabemos, as cercas têm necessariamente dois lados. Dividem espaços, que sob outros aspectos seriam uniformes, em «dentro» e «fora»; mas o que é «dentro» para os que estão de um lado é «fora» para os que estão do outro. Os moradores dos condomínios cercam-se para ficar «fora» da excludente, desconfortável, vagamente ameaçadora e dura vida da cidade – e «dentro» do oásis da calma e da segurança. Pelo mesmo viés, contudo, cercam todos os outros fora dos lugares decentes e seguros (…).
A cerca separa o «gueto voluntário» dos ricos e poderosos dos muitos guetos forçados que os que não têm posses habitam. Para estes, a área a que estão confinados (por serem excluídos de todas as outras) é o espaço do qual «não têm permissão para sair».
Explicitamente, o propósito dos «espaços interditos» é dividir, segregar e excluir – e não construir pontes, passagens acessíveis e locais de encontro, facilitar a comunicação ou, de alguma outra forma, aproximar os habitantes da cidade. (…) em vez de defender a cidade e todos os seus habitantes do inimigo exterior, foram erigidas para os separar e defender uns dos outros, agora na condição de adversários.
Na paisagem urbana, os «espaços interditos» tornam-se marcos de desintegração da vida comunal compartilhada e localmente ancorada.
Concomitante às condições físicas da cidade, assim as relações entre as pessoas. Fragmentadas umas e outras. Era também isso que queríamos dizer quando dissemos que “A cidade está a matar-nos“. A explicação para isto é bem elucidada nas seguintes palavras:
«O sentimento “nós”, que expressa um desejo de ser semelhante, é uma forma de os homens evitarem a necessidade de se examinarem uns aos outros com maior profundidade». Promete, pode dizer-se, algum conforto espiritual: a perspectiva de tornar o convívio algo mais fácil de suportar, cortando-se o esforço de compreender, negociar, comprometer-se, exigido quando se vive com a diferença e no meio dela.
O impulso na direcção de uma «comunidade de semelhança» é um sinal de recuo não apenas em relação à alteridade externa, mas também ao compromisso com a interacção interna (…) A atracção de uma «comunidade da mesmidade» é a da segurança contra os riscos de que está repleta a vida quotidiana num mundo polifónico.
Quanto mais as pessoas permanecem num ambiente uniforme (…), mais se tornam propensas a «desaprender» a arte de negociar um modus covivendi e significados compartilhados.
Já que se esqueceram ou não se preocuparam em adquirir as habilidades necessárias para viver com a diferença (…), [os “estranhos”] tendem a parecer cada vez mais assustadores, na medida em que se tornam cada vez mais diferentes, exóticos e incompreensíveis, e em que o diálogo e a interacção que poderiam acabar assimilando a sua «alteridade» se diluem ou nem chegam a ter lugar.
pp. 137-141
Quando não há espaços íntimos – que são proporcionados pela comunicação, pela identificação, pela inclusão ou pelo desejo destas três necessidades humanas – não pode haver paixões. Viver sem paixão é “Não estar, não estar a ser, não ser“.
Então, pergunta outra, agora:
E como, a VIDA?
Ser ou não ser gente ter ou não ter sonhos mais exactamente vir à tona dos sonhos Ter sempre a certeza das dúvidas por via das dúvidas saber o que achar
Dobradores do ferro sopradores do vidro na margem do erro ser claro como o vidro Ter sempre a destreza da prática por via da prática saber o que achar
Ah, morrer, dormir, talvez sonhar mas então que outros sonhos virão? Morrendo, vivendo, dormindo talvez que sonhando…
Ter sempre a certeza da música por via da música tocar e cantar
Sedutores da musa amadores da alma mesmo que difusa ser a imagem da alma Ter sempre a clareza da fábula por via da fábula saber o que achar
Dedos semelhantes às velozes aves mesmo que distante ouvir o chamar das aves Ter sempre a afoiteza do pássaro por via do pássaro subir e pousar
Ah, morrer, dormir, talvez sonhar mas então que outros sonhos virão? Morrendo, vivendo, dormindo talvez que sonhando…
Ser ou não ser, Sérgio Godinho
Mesmo com a certeza das dúvidas, Ter sempre a certeza da música. Obrigado à pessoa que escreveu este livro. Obrigado à pessoa que me deu a ler e me possibilitou compreender (melhor) este livro.
Este livro continua…
Boas leituras geográficas.
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