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"Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno", de Serge Latouche

A propósito do tão propalado e sacrossanto crescimento económico, ou crescimento a que já caiu o económico, teríamos de voltar a este livro.

Ontem, 1º de Maio, dia do trabalhador, não foi um dia especialmente memorável para os “colaboradores” de um dado estabelecimento comercial espalhado pelo país, embora com sede fiscal fora dele.

Mediante a decisão / imposição / regulação dos preços nos seus burgos resulta um fácil controlo dos comportamentos de milhares de quase-mortos que pedincham por dignidade e vida. E que se riem, porque as suas preces foram ouvidas: haja caridadezinha…

Esta reacção automática massiva, como mihares de robôs, não é muito diferente dos apitos imbecis pela vitória de um clube ou de um partido, ou por qualquer outra manifestação alienante.

Aconteça ela em conjunto, em massa, ou individualmente.

(Como estarmos milhões, cada um em frente ao seu, a olhar para um ecrâ.

De televisão ou de ordenador.)

Que faz cada um de nós?

O primeiro passo para a reconversão desta economia e para a retracção dos valores que ela impôs está em fazer o contrário do que ela nos obriga (mediante controlos como o de ontem).

Reduzir o consumo.

Irá começar por alterar tudo.

Não será suficiente.

Depois urge não parar.

Mas primeiro temos de começar e forçar.

Ficam aqui algumas passagens interessantes deste pequeno e lúcido tratado.


Título: Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno

Edição Original: Petit Traité de la Décroissance Sereine (2007)

Autor: Serge Latouche

Tradução: Víctor Silva


Edição: Janero de 2011

Editora: Edições 70

ISBN: 978-972-44-1646-5

Paginação: 160 páginas


“Não podemos produzir frigoríficos, automóveis ou aviões a jacto «maiores e melhores» sem produzir também detritos «maiores e melhores». Nicholas Georgescu-Roegen “(…) a maximização do consumo baseia-se na predação e na pilhagem dos recursos naturais, à economia do cosmonauta, «para a qual a Terra se tornou um veículo espacial único, não possuindo recursos ilimitados, seja para dela os retirar, seja para nela vazar os seus poluentes».” Quem acredita que é possível o crescimento infinito num mundo finito ou é louco ou economista.

Kenneth Boulding (p.28)


“Ao contrário doutras tradições religiosas como o budismo, a tradição cristã não favoreceu no Ocidente a relação harmoniosa entre o ser humano e o seu ambiente vivo e não vivo. O marxismo inseriu-se nesta tradição, o que levou Hans Jonas a dizer: «A humanização da natureza por Marx é um eufemismo hipócrita para designar a submissão total desta mesma natureza ao ser humano para uma exploração total com a finalidade de satisfazer as suas próprias necessidades.»” (p.141)


“Os novos heróis do nosso tempo são os cost killers, estes gestores que as empresas multinacionais atraem a preço de ouro, oferecendo-lhes grandes quantidades de stock-options e indemnizações por rescisão. Formados geralmente nas business schools, que mais apropriadamente deveriam ser chamadas «faculdades de guerra económica», estes estrategos estão empenhados em transferir ao máximo os custos para o exterior, de modo a fazê-los recair sobre os empregados, os subcontratados, os países do Sul, os seus clientes, os Estados e os serviços públicos, as gerações futuras e sobretudo a natureza, transformada ao mesmo tempo em fornecedora de recursos e em caixote do lixo. Qualquer capitalista, qualquer financeiro, mas também qualquer homo oeconomicos (e todos o somos) tende a ser um «criminoso vulgar», mais ou menos cúmplice da banalidade económica do mal.” (pp.32-33)


“A economia transforma a abundância natural em raridade com a criação artificial da escassez e da necessidade através da apropriação da natureza e da sua mercantilização. Última ilustração do fenómeno, após a privatização da água: a apropriação do domínio vivo, em particular com os OGM. Os agricultores assim destituídos da fecundidade natural das plantas em benefício das empresas agro-alimentares. A imaginação do mercado», como diz Bernard Maris, «é incomensurável. Como se fosse um cuco, instala-se em tudo o que é gratuito. «Exclui estes e aqueles, estampilha a gratuitidade, impõe-lhe logotipos, marcas, portagens e depois revende-a.»”

(p.55)


“Finalmente, é preciso pensar em inventar uma verdadeira política monetária local. «Para manter o poder de compra dos habitantes, os fluxos monetários deveriam permanecer o mais possível na região e as decisões também deveriam ser tomadas o mais possível ao nível da região. Dêmos a palavra ao especialista (neste caso, um dos criadores do Euro): “Encorajar o desenvolvimento local ou regional ao mesmo tempo que se mantém o monopólio da moeda nacional é como tentar desintoxicar um alcoólico com gin.” (p.71)


“Segundo Yves Cochet, «uma alimentação mais económica em energia seguiria assim três orientações opostas às que hoje são correntes: seria mais local, mais sazonal e mais vegetariana». Continuará a ser «mais cara» se se continuar a fazer com que as vítimas paguem e a subsidiar os poluidores.” (p.76)


“A civilização capitalista caminha inexoravelmente para a sua derrota catastrófica; já não é necessária uma classe revolucionária para derrubar o capitalismo, porque ele cava a sua própria sepultura e a da civilização industrial no seu conjunto. É uma sorte, porque se vê bem que a luta de classes se esgotou com o triunfo do capital. (…) Neste sentido, o projecto da sociedade do decrescimento é eminentemente revolucionário. Trata-se não só de uma mudança de cultura, mas também das estruturas do Direito e das relações de produção.” (p.92)


“Se a França aplicasse a directiva europeia e produzisse 20% da sua electricidade a partir de energias renováveis, como a solar ou a eólica, isso criaria 240 000 empregos. Um documento publicado em 2005 pela Comissão Europeia mostra que cada milhão de euros investido na eficácia energética cria 12 a 16 empregos a tempo inteiro, contra 4,5 numa central nuclear e 4,1 numa central a carvão. Ou seja, custa duas vezes menos economizar um quilowatt-hora do que produzi-lo.”

A satisfação das necessidades de uma arte de viver convivial para todos pode realizar-se com uma diminuição importante do tempo de trabalho obrigatório, de tal forma são importantes as “reservas”, porque, durante séculos, os ganhos de produtividade foram sistematicamente transformados em crescimento do produto, e não em decrescimento do esforço.” (p.110-111)


“Nas condições actuais, o tempo liberto do trabalho não passa a ser apenas por isso liberto da economia. A maior parte do tempo livre não conduz a uma reapropriação do tempo da existência e não constitui um abandono do modelo mercantil dominante. O tempo continua a ser muitas vezes utilizado em actividades que ainda são mercantis, que não permitem ao consumidor assumir a via da auto-produção. Ele é desviado para uma via paralela. O tempo livre profissionaliza-se e industrializa-se cada vez mais. (…) Fundamentalmente, é com uma reconquista do tempo pessoal que nos confrontamos. Um tempo qualitativo. Um tempo que cultive a lentidão e a contemplação, ao ficar liberto do pensamento do produto. (…) Esta reconquista do tempo «livre» é uma condição necessária da descolonização do imaginário. Diz respeito também aos operários e aos assalariados, e não só aos quadros stressados, aos patrões acossados pela concorrência e às profissões liberaris apertadas em torno da compulsão ao crescimento. Podem passar de adversários a aliados na construção de uma sociedade do decrescimento.” (pp.119-122)


“É tão fácil «convencer» o capitalismo a limitar o crescimento como «persuadir» um ser humano a deixar de respirar, escreve Murray Bookchin. O descrescimento é forçosamente contra o capitalismo, não tanto por lhe denunciar as contradições e os limites ecológicos e sociais, mas antes de mais porque lhe põe em causa “o espírito”, no sentido em que Max Weber considera “o espírito do capitalismo” como condição da sua realização. Se, em abstracto, talvez seja possível conceber uma economia ecocompatível com a continuidade do capitalismo imaterial, esta perspectiva é irrealista no que respeita às bases imaginárias da sociedade de mercado, ou seja, a desmesura e o (pseudo)domínio sem limites.

O capitalismo generalizado não pode deixar de destruir o planeta tal como destruiu a sociedade e tudo o que é colectivo. (p.125)


Boas leituras geográficas.

Nota: Envia a tua sugestão de leitura para georden@gmail.com que, posteriormente, publicaremos, neste mesmo espaço.

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